A cena prevista pelo economista japonês Ikeda Nobuo em «As Vinte Anos Perdidos» está a desenrolar-se na China contemporânea. Este observador económico, que é tanto académico quanto figura mediática, baseia-se na crise financeira de 2008 para desconstruir a verdade sobre a estagnação económica do Japão com uma perspetiva disruptiva. A questão central lançada por Ikeda Nobuo ainda ressoa: porque é que uma potência económica que dominou o mundo nos anos 80, caiu em apenas uma década a um país perdido? E mais assustador ainda, a China parece estar a reescrever este mesmo roteiro, a repetir esta tragédia.
A maldição da prosperidade: quando a manufatura se torna numa armadilha económica
Ikeda Nobuo revela no seu livro um paradoxo cruel: quanto mais forte for a manufatura do Japão, mais frágil será a sua economia. A eficiência da indústria automóvel japonesa nos anos 80 era surpreendente, produzindo 22 milhões de veículos por ano, enquanto a procura interna era de apenas 6 milhões. Significa que 16 milhões de veículos tinham que ser exportados, sendo os EUA o maior comprador. Mas após a crise financeira de 2008, a procura nos EUA caiu à metade, para 17 milhões, e a indústria automóvel japonesa entrou numa crise instantânea.
Isto expõe a questão fatal que Ikeda Nobuo insiste em destacar: o problema da economia mundial não está na oferta, mas na procura. Podemos produzir tudo o que quisermos, mas para quem vender? Se não há espaço no mercado interno, temos que exportar, mas a expansão das exportações não resolve a estimulação da economia doméstica. Mesmo se baixarmos as taxas de juro ao máximo, pouco tem a ver com a indústria automóvel. Este é precisamente o dilema atual da China, onde os protestos contra a “degradação do consumo” na IPO da Pinduoduo recordam a contração da procura interna do Japão na altura.
Ikeda Nobuo introduz o conceito de «gap do PIB» para explicar esta situação: gap do PIB = taxa de crescimento potencial - taxa de crescimento real. Em 2008, o crescimento real do Japão foi de -3,2%, enquanto a taxa de crescimento potencial era de 1%, resultando num gap de 4,2%. Ele usa a metáfora de um maratonista: se um atleta fica doente e corre uma maratona em 3 horas, há que procurar um médico; mas se o problema for treino insuficiente ou talento, o médico não consegue ajudar. Este «talento» é a procura económica, e o «médico» são as políticas macroeconómicas. Se a procura estiver em causa, as políticas macroeconómicas não resolvem nada.
De primeiro do mundo ao último lugar: o mistério do colapso da produtividade
O segundo facto revelado por Ikeda Nobuo é ainda mais surpreendente: os japoneses, conhecidos pela sua diligência, viram a sua produtividade cair em 2007 para níveis inferiores aos da preguiçosa Itália. A causa foi a queda de 3,5% para 0,9% na produtividade do setor de serviços desde os anos 80. Como os serviços representam cerca de 70% do PIB, isto diminui diretamente o desempenho geral da economia.
Mais irónico ainda é que o Japão, nos anos 80, foi o primeiro a escapar da crise do petróleo, dominando o mundo através da manufatura, enquanto os EUA estavam atolados na inflação. Mas, no final dos anos 80, o Japão sofreu uma grave bolha de ativos; após os anos 90, as posições inverteram-se completamente. Ikeda Nobuo aponta com precisão: enquanto os outros jogavam com internet e computadores, o Japão jogava com casas. Como resultado, os EUA lideraram a revolução digital, enquanto o Japão entrou num «período perdido» de vinte anos.
O Japão tentou acompanhar, com marcas como NEC a manter alguma competitividade inicialmente. Mas Ikeda Nobuo destaca que o Japão apenas imitou a «cara» dos EUA, sem conseguir imitar a «face» da sua indústria, sem fazer uma verdadeira reestruturação. A inovação duradoura, o fator mais decisivo, nunca se enraizou no Japão. A competitividade global da indústria de TIC japonesa é inferior à de Taiwan e Coreia do Sul.
As três armadilhas mortais reveladas por Ikeda Nobuo
No seu livro «As Vinte Anos Perdidos», Ikeda Nobuo resume as razões centrais para o colapso da economia japonesa:
A armadilha do colapso da procura interna: a taxa de poupança caiu de níveis superiores aos dos EUA para valores inferiores, o envelhecimento da população fez com que cada vez mais pessoas dependessem da reforma, e o país já não investe.
A armadilha do fracasso na modernização industrial: querem modernizar-se, mas não conseguem ajustar-se; querem regressar ao estado anterior, mas os custos laborais já são 10 vezes superiores aos de países em desenvolvimento, perdendo toda a competitividade.
A armadilha do mercado de trabalho rígido: a contratação vitalícia garante estabilidade aos mais velhos, mas reprime as oportunidades dos jovens, impedindo que talento flua para setores emergentes.
Contrato de trabalho vitalício: um sistema de apropriação geracional
A crítica mais aguda de Ikeda Nobuo centra-se no mercado laboral. A proteção excessiva dos trabalhadores formais, através do contrato vitalício, aumenta a desigualdade social e impede a reestruturação industrial. Sem um sistema de fixação de preços para o talento, os trabalhadores permanecem presos numa única empresa, perdendo motivação e a competição saudável. Os setores emergentes nunca conseguem atrair talento de qualidade, e como podem desenvolver-se?
Ainda mais assustador é que o contrato vitalício se torna numa arma de exploração dos jovens por parte dos mais velhos. Estes, devido a razões históricas, entram nas empresas e defendem os seus postos. Assim, os jovens nascem e crescem frustrados, tendo que desabafar através de blogs. Desde 2000, os jovens e os idosos competem pelos recursos. Ikeda Nobuo assinala que, na altura, também houve discussões sobre reformas, mas os grupos de interesse bloquearam a única oportunidade de mudança.
O governo japonês propôs três estratégias: transferir fábricas para o exterior, substituir trabalhadores permanentes por temporários, e desvalorizar o yen. Por exemplo, na Dalian, muitas empresas japonesas trouxeram trabalhadores do Japão, que recebiam salários semelhantes, mas os preços na China eram um décimo dos japoneses. Isto é uma importação indireta de mão-de-obra, levando a uma oferta excessiva de trabalho e à diminuição dos salários.
O roteiro que a China está a repetir
A cena descrita por Ikeda Nobuo em «As Vinte Anos Perdidos» é espantosamente semelhante à China atual. O Japão avançou 30 anos à nossa frente, e nos últimos dez anos temos repetido a história do Japão de há 90 anos: uma bolha imobiliária, forte aumento das exportações, valorização cambial, envelhecimento populacional. A mesma preocupação de insuficiência de procura interna, com o mercado potencial muito maior do que o do Japão, mas os recursos das pessoas concentrados em especular com imóveis, deixando pouco para o consumo.
Ikeda Nobuo, ao analisar o Japão, apontou que a poupança - investimento é igual ao superavit da conta corrente; como a poupança caiu drasticamente, o superavit também diminuiu, e o comércio exterior deixou de ser lucrativo. O padrão de «insuficiência de procura interna para exportar» já ruiu completamente. Este é o caminho que a China deve evitar agora.
As previsões de Ikeda Nobuo já começam a concretizar-se. Quando os jovens perdem esperança, quando a inovação é sufocada por um sistema rígido, e quando o imobiliário sequestra todos os recursos, a perda não é uma questão de se vai acontecer, mas de quando acontecerá. O Japão provou em 20 anos uma verdade: mesmo com boas cartas na mão, tudo pode ser destruído.
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Nobuaki Ikeda prevê que se torne realidade! A China está a reencenar os "Vinte anos perdidos" do Japão?
A cena prevista pelo economista japonês Ikeda Nobuo em «As Vinte Anos Perdidos» está a desenrolar-se na China contemporânea. Este observador económico, que é tanto académico quanto figura mediática, baseia-se na crise financeira de 2008 para desconstruir a verdade sobre a estagnação económica do Japão com uma perspetiva disruptiva. A questão central lançada por Ikeda Nobuo ainda ressoa: porque é que uma potência económica que dominou o mundo nos anos 80, caiu em apenas uma década a um país perdido? E mais assustador ainda, a China parece estar a reescrever este mesmo roteiro, a repetir esta tragédia.
A maldição da prosperidade: quando a manufatura se torna numa armadilha económica
Ikeda Nobuo revela no seu livro um paradoxo cruel: quanto mais forte for a manufatura do Japão, mais frágil será a sua economia. A eficiência da indústria automóvel japonesa nos anos 80 era surpreendente, produzindo 22 milhões de veículos por ano, enquanto a procura interna era de apenas 6 milhões. Significa que 16 milhões de veículos tinham que ser exportados, sendo os EUA o maior comprador. Mas após a crise financeira de 2008, a procura nos EUA caiu à metade, para 17 milhões, e a indústria automóvel japonesa entrou numa crise instantânea.
Isto expõe a questão fatal que Ikeda Nobuo insiste em destacar: o problema da economia mundial não está na oferta, mas na procura. Podemos produzir tudo o que quisermos, mas para quem vender? Se não há espaço no mercado interno, temos que exportar, mas a expansão das exportações não resolve a estimulação da economia doméstica. Mesmo se baixarmos as taxas de juro ao máximo, pouco tem a ver com a indústria automóvel. Este é precisamente o dilema atual da China, onde os protestos contra a “degradação do consumo” na IPO da Pinduoduo recordam a contração da procura interna do Japão na altura.
Ikeda Nobuo introduz o conceito de «gap do PIB» para explicar esta situação: gap do PIB = taxa de crescimento potencial - taxa de crescimento real. Em 2008, o crescimento real do Japão foi de -3,2%, enquanto a taxa de crescimento potencial era de 1%, resultando num gap de 4,2%. Ele usa a metáfora de um maratonista: se um atleta fica doente e corre uma maratona em 3 horas, há que procurar um médico; mas se o problema for treino insuficiente ou talento, o médico não consegue ajudar. Este «talento» é a procura económica, e o «médico» são as políticas macroeconómicas. Se a procura estiver em causa, as políticas macroeconómicas não resolvem nada.
De primeiro do mundo ao último lugar: o mistério do colapso da produtividade
O segundo facto revelado por Ikeda Nobuo é ainda mais surpreendente: os japoneses, conhecidos pela sua diligência, viram a sua produtividade cair em 2007 para níveis inferiores aos da preguiçosa Itália. A causa foi a queda de 3,5% para 0,9% na produtividade do setor de serviços desde os anos 80. Como os serviços representam cerca de 70% do PIB, isto diminui diretamente o desempenho geral da economia.
Mais irónico ainda é que o Japão, nos anos 80, foi o primeiro a escapar da crise do petróleo, dominando o mundo através da manufatura, enquanto os EUA estavam atolados na inflação. Mas, no final dos anos 80, o Japão sofreu uma grave bolha de ativos; após os anos 90, as posições inverteram-se completamente. Ikeda Nobuo aponta com precisão: enquanto os outros jogavam com internet e computadores, o Japão jogava com casas. Como resultado, os EUA lideraram a revolução digital, enquanto o Japão entrou num «período perdido» de vinte anos.
O Japão tentou acompanhar, com marcas como NEC a manter alguma competitividade inicialmente. Mas Ikeda Nobuo destaca que o Japão apenas imitou a «cara» dos EUA, sem conseguir imitar a «face» da sua indústria, sem fazer uma verdadeira reestruturação. A inovação duradoura, o fator mais decisivo, nunca se enraizou no Japão. A competitividade global da indústria de TIC japonesa é inferior à de Taiwan e Coreia do Sul.
As três armadilhas mortais reveladas por Ikeda Nobuo
No seu livro «As Vinte Anos Perdidos», Ikeda Nobuo resume as razões centrais para o colapso da economia japonesa:
A armadilha do colapso da procura interna: a taxa de poupança caiu de níveis superiores aos dos EUA para valores inferiores, o envelhecimento da população fez com que cada vez mais pessoas dependessem da reforma, e o país já não investe.
A armadilha do fracasso na modernização industrial: querem modernizar-se, mas não conseguem ajustar-se; querem regressar ao estado anterior, mas os custos laborais já são 10 vezes superiores aos de países em desenvolvimento, perdendo toda a competitividade.
A armadilha do mercado de trabalho rígido: a contratação vitalícia garante estabilidade aos mais velhos, mas reprime as oportunidades dos jovens, impedindo que talento flua para setores emergentes.
Contrato de trabalho vitalício: um sistema de apropriação geracional
A crítica mais aguda de Ikeda Nobuo centra-se no mercado laboral. A proteção excessiva dos trabalhadores formais, através do contrato vitalício, aumenta a desigualdade social e impede a reestruturação industrial. Sem um sistema de fixação de preços para o talento, os trabalhadores permanecem presos numa única empresa, perdendo motivação e a competição saudável. Os setores emergentes nunca conseguem atrair talento de qualidade, e como podem desenvolver-se?
Ainda mais assustador é que o contrato vitalício se torna numa arma de exploração dos jovens por parte dos mais velhos. Estes, devido a razões históricas, entram nas empresas e defendem os seus postos. Assim, os jovens nascem e crescem frustrados, tendo que desabafar através de blogs. Desde 2000, os jovens e os idosos competem pelos recursos. Ikeda Nobuo assinala que, na altura, também houve discussões sobre reformas, mas os grupos de interesse bloquearam a única oportunidade de mudança.
O governo japonês propôs três estratégias: transferir fábricas para o exterior, substituir trabalhadores permanentes por temporários, e desvalorizar o yen. Por exemplo, na Dalian, muitas empresas japonesas trouxeram trabalhadores do Japão, que recebiam salários semelhantes, mas os preços na China eram um décimo dos japoneses. Isto é uma importação indireta de mão-de-obra, levando a uma oferta excessiva de trabalho e à diminuição dos salários.
O roteiro que a China está a repetir
A cena descrita por Ikeda Nobuo em «As Vinte Anos Perdidos» é espantosamente semelhante à China atual. O Japão avançou 30 anos à nossa frente, e nos últimos dez anos temos repetido a história do Japão de há 90 anos: uma bolha imobiliária, forte aumento das exportações, valorização cambial, envelhecimento populacional. A mesma preocupação de insuficiência de procura interna, com o mercado potencial muito maior do que o do Japão, mas os recursos das pessoas concentrados em especular com imóveis, deixando pouco para o consumo.
Ikeda Nobuo, ao analisar o Japão, apontou que a poupança - investimento é igual ao superavit da conta corrente; como a poupança caiu drasticamente, o superavit também diminuiu, e o comércio exterior deixou de ser lucrativo. O padrão de «insuficiência de procura interna para exportar» já ruiu completamente. Este é o caminho que a China deve evitar agora.
As previsões de Ikeda Nobuo já começam a concretizar-se. Quando os jovens perdem esperança, quando a inovação é sufocada por um sistema rígido, e quando o imobiliário sequestra todos os recursos, a perda não é uma questão de se vai acontecer, mas de quando acontecerá. O Japão provou em 20 anos uma verdade: mesmo com boas cartas na mão, tudo pode ser destruído.